Eu sempre fui de poucas paixões nessa vida. Poucas e intensas. Na primeira vez em que isso aconteceu com um homem – e ele era meu professor de filosofia – alguns dos meus tabus caíram por terra. Ele dizia que o amor não conhece fronteiras; que a gente empobrece e limita a nossa idéia de amor ao tentar cercá-lo e restringi-lo. Ele foi tão importante pra mim que sua presença ainda perdurou por vários anos, mesmo depois de estarmos separados. No entanto, nem tudo o que ele significou para mim chegou perto da minha primeira paixão por uma mulher. Essa foi devastadora, cruel, quase letal.
Nós nos conhecemos da maneira mais casual possível. Ela e eu trabalhávamos no mesmo setor e, naquela época, há alguns anos atrás, houve um movimento grevista muito forte. Eu era nova na profissão, mas não queria ficar de fora, então comecei a ir às assembléias. Numa dessas vezes, o auditório já estava cheio quando cheguei. Ainda assim, consegui avistar um lugarzinho, perdido lá no meio. Era justamente ao lado dela. Mas eu ainda não sabia disso.
Pedi licença e me sentei. Engraçado que eu não me lembro nem da roupa que estava vestindo, mas um detalhe super-prosaico ficou na minha memória: eu estava carregando uma sacolinha com alface. É isso mesmo: alface. Dentre todas as coisas de que eu poderia me lembrar, foi isso que ficou marcado. Justamente, porque foi esse detalhe que chamou a atenção dela, segundo ela mesma me contou algum tempo depois. Ela me disse ter visto uma menina com ares de tímida, sem saber o que fazer por ali e carregando uma sacola de alface! Nada mais fora do contexto.
Enfim, sentei e ela puxou conversa comigo. Me disse de onde era, me apresentou um amigo que estava a seu lado e ficamos falando umas bobagens de vez em quando. E foi assim na assembléia seguinte e na seguinte. Até o dia em que trocamos telefones. Eu não sabia porquê, mas estava adorando estar com ela. Nessa época, as lembranças da minha primeira vez com uma menina já tinham sido apagadas da minha mente; afinal, eu tinha só uns onze, doze anos quando aconteceu. Não passava pela minha cabeça ficar com mulher, me apaixonar por uma e muito menos fazer sexo. Eu era hétero. Aquela primeira experiência havia ficado para trás. Ponto.
Lógico que todas as minhas convicções viraram pó por conta dela. Eu fui me enredando mais e mais e fingindo que não sabia a razão. Começamos a almoçar juntas, eu a acompanhava até a porta da empresa onde ela trabalhava. Até que um dia, sem mais nem menos, resolvi aparecer na casa dela, sem avisar nada. Eu já sabia onde ela morava porque era perto do trabalho dela. Um dia passando pela calçada ela me mostrou. E eu fui lá, com cara de quem não queria nada. Chamei da calçada, porque o interfone estava com defeito. Estava quase anoitecendo, mas deu para ver a cabeça dela surgindo na janela. Quando ela veio me receber, parecia meio sem graça. Só depois eu vim a saber. Estava rolando uma festinha e a namorada dela estava lá. Até aquele ponto eu não sabia que ela gostava de mulher. Toda vez que se referia aos seus relacionamentos ela falava em uma ‘pessoa’. Tudo muito neutro. Eu entrei na sala do apartamento e o clima ficou meio pesadão. Eles estavam fumando maconha e me ofereceram. Fiquei por lá um pouco, mas como não conhecia ninguém a não ser ela, resolvi ir embora.
Continuamos a nos ver e a sair. Um belo dia ela me chamou para ir ao teatro. Como era numa outra cidade, próxima da nossa, e era à noite, avisei em casa que não voltaria para dormir – na época eu morava com meus pais. Ela me chamou para dormir na casa dela, assim não teria perigo de voltar para a minha casa sozinha. Mesmo indo de táxi ela achava que não era seguro. Então aceitei. Jantamos juntas, fomos ao teatro – lembro até hoje com detalhes da peça que assistimos – e voltamos para a casa dela. Já era tarde e ela resolveu fazer uma cama para nós duas no chão mesmo. Não achei nada de mais; estava cansada de dormir em casas de amigas. E assim foi. Ela arrumou tudo e nos deitamos, uma de cada lado.
Ainda ficamos conversando um tempo, comentando da peça, mas logo um silêncio caiu sobre a gente. Dei ‘boa noite’ e virei para o lado. A minha surpresa foi sentir uma mão acariciando de leve os meus cabelos. Achei esquisito, senti um arrepio, mas deixei. Dos cabelos ela buscou o meu corpo. As mãos eram tão suaves, tão leves, impossível não gostar. Estava achando tudo estranhamente familiar. Quando me virei para ela finalmente, aconteceu: ela se aproximou e me beijou de leve. Eu correspondi e ela – então – me puxou e me beijou mais forte. Não foi preciso dizer nada. Tudo estava suficientemente claro. Eu podia sentir fagulhas no ar, tamanha era a nossa excitação. Eu não sabia o que fazer, mas não foi preciso pensar muito. Ela era experiente e carinhosa, foi me deixando solta, me acariciando, dizendo coisas no meu ouvido, quando percebi estávamos nuas, as duas, e para a minha surpresa nossos corpos se encaixavam com perfeição. Ela me beijou toda e eu, então, deixei que suas mãos me explorassem. Assim, fui ficando molhada, pronta para receber aquela língua maravilhosa. E ela me chupou, me sugou, até o mais fundo de mim, como ninguém até então havia feito. Quando o gozo veio, ele foi profundo, forte, intenso. E eu entendi, finalmente, porque os franceses o chamam de ‘pequena morte’.
A sensação que tive depois que tudo se acalmou era de que eu estava voltando a um lugar já conhecido. Estar com ela me dava uma segurança maravilhosa. Ela e a namorada brigaram – ela nunca me disse o motivo – e começamos a ficar cada vez mais ligadas. Eu achava que seria para sempre. Tudo o que fazíamos era tão maravilhoso. Nunca nenhum homem tinha me dado o que ela me dava. Não era só o prazer na cama, mas todo o resto: a doçura, a cumplicidade, as risadas que dávamos sem motivo; ela era meu tudo.
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